Sunday 11 March 2007

Porque não gosto da Festa da Música

Com algum atraso e contra a maré, escrevo sobre o grande 'acontecimento' musical do ano - a Festa da Música.
Não gosto da Festa da Música, essencialmente por quatro razões: Primeiro porque é um erro grotesco de programação, segundo um gigantesco desperdício de dinheiro público, terceiro porque não é bom para o público e quarto porque não é bom para os músicos.

1. Durante os 3 dias da Festa da Música foram realizados 115 concertos, em 7 salas em simultâneo. Divida-se 115 concertos pelos 365 dias do ano e teríamos em média um concerto de música barroca (que foi o tema deste ano) a cada 3 dias! Consulte-se a programação do CCB para se verem as diferenças... Digam o que disserem, um programador que opte por fazer 115 concertos em 3 dias e uma dúzia nos restantes dias do ano é um mau programador.

2. A taxa de ocupação das salas do CCB durante a Festa da Música foi excelente (acima dos 90% parece-me). Pois sim, mas apenas duas das salas tinham dimensões consideráveis sendo as restantes relativamente pequenas. Cada concerto da Festa teve em média 400 pessoas mas praticamente todos os concertos mereceriam salas mais amplas como o grande ou pequeno auditório. O grande auditório tem cerca de 1400 lugares. Se todos os concertos tivessem sido lá realizados e a taxa de ocupação fosse de apenas 50%, teríamos mais 34000 bilhetes vendidos, o que ao preço de 6? o bilhete (o mínimo praticado na Festa) perfaz a simpática quantia de 207.000?. É muito dinheiro, suficiente para fazer entre 40 a 60 concertos de grupos de música de câmara semelhantes a muitos dos que foram apresentados na ocasião!

3. Dizem que a Festa da Música é óptima para o público. Permitam-me discordar. Não conheço uma única pessoa que goste de música e que goste de ir a concertos que não preferisse assistir a todos as apresentações espaçadamente, sem pressas nem correrias. Não conheço uma única pessoa que goste de música que não sinta ser uma violência ser forçada a optar entre, por exemplo, os Tallis Scholars e o Ricercare Consort.
Dizem que forma público... Mas será que verdadeiramente as pessoas que raramente ou nunca vão a concertos começam a ir mais porque gostaram da Festa da Música? Já agora a quais, já que o CCB praticamente não os faz fora desses três dias? Será que os Festivais de Música, principalmente os da área de Lisboa, começaram a ser mais frequentados pelas 48000 pessoas que estiveram na Festa deste ano? Tenho fortes dúvidas. Mas tenho sobretudo um enorme cepticismo assente numa questão de fundo: Sou músico e sinceramente não me interessa formar um público que pensa que ouvir música é correr de uma sala para outra e que é enriquecedor ouvir vários concertos num dia. Mas alguém no seu perfeito juízo acha que é possível apreciar toda a grandeza, beleza e delicadeza de um Dido e Eneias depois de 3 dias a ouvir música? Só por má fé ou estupidez se pode afirmá-lo. Uma das minhas grandes desilusões pessoais desta Festa foi ter sido forçado a ouvir um lindo concerto às 11h30 da manhã numa sala pequena, quente e inundada pela luz matinal quando aquele reportório e aqueles intérpretes teriam merecido a dignidade de outra sala e um contexto que a só a tranquilidade nocturna sabe proporcionar.
Da mesma maneira que não se ensina ninguém a gostar de comida exótica colocando-a três dias num restaurante e dando-lhe a comer ininterruptamente todo o tipo de pratos, não se forma público a empanturrá-lo de música.

4. Restam os músicos. Evidentemente que a Festa da Música representa oportunidades de trabalho. Isso é positivo, sobretudo quando há a possibilidade de se rodarem programas, algo que em particular aos músicos portugueses não acontece frequentemente. No entanto, a escolha não deve ser feita entre ter algo e não ter nada mas sim entre ter algo e ter outra coisa melhor usando os mesmo recursos. Pergunto: qual o músico que não preferiria tocar num ambiente mais pousado, de ter o seu tempo para fazer um ensaio de colocação decente e não 10 minutos entre o seu concerto e o anterior, de sentir que a disponibilidade do público é total e não que lá para o final a impaciência cresce porque já se fazem contas ao tempo que falta para o próximo evento da lista (para não falar nos casos em que o público deserta de um concerto para acorrer a outro, comportamento que me entristece particularmente e que creio em nada dignificar o trabalho de um músico)? Pergunto: quantos dos concertos que segundo a opinião geral foram menos bons ou até maus não foram excelentes simplesmente porque faltou aos músicos o tempo e calma necessária para realizarem o seu trabalho com total empenho e disponibilida2de? Ouvi alguns concertos, ao vivo e na transmissão radiofónica, e sinceramente ouvi muita coisa correr menos bem que, não duvido, se deveu única e simplesmente a cansaço acumulado. Pergunto: que dividendos tiram os músicos, para além da remuneração auferida, ao tocarem para públicos não inteiramente disponíveis, ao aceitarem ser tratados como produtos de marketing e trabalhar em condições não totalmente dignas e algo arriscadas? E pergunto aos músicos portugueses: que benefícios retiram em participar num evento que drena grande parte do orçamento destinado a programação daquela que é provavelmente a principal sala de espectáculos em Portugal? Antes de responderem, consultem a programação, avaliem a formação, currículos e experiência dos intervenientes nos eventos programados para o resto da temporada e digam-me que critérios presidem à escolha.

Última pergunta: a quem serve a Festa da Música?

0 Comments:

Post a Comment

Subscribe to Post Comments [Atom]

<< Home