Sunday 11 March 2007

MANIFESTO por Mais Silêncio e Melhor Som

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Basta Pum Basta!
Morra o ruído, morra o mau som! Pim!

Não posso mais!
Recentemente fui assistir a um concerto para o qual tinha boas expectativas: Um músico que tenho em muito apreço num espaço acusticamente adequado e num instrumento, um Bösendorfer de cauda inteira, que se espera extraordinário.
Não pude acreditar naquilo que ouvi mal o concerto iniciou. Não só o piano tinha sido amplificado, uma opção já discutível numa sala de 500 lugares que tinha cerca de 100 pessoas na assistência, como o som da amplificação era de tão má qualidade que impedia, pelo menos impediu-me, de fruir minimamente do concerto: o volume era insuportavelmente elevado, a roçar por vezes o limiar da dor; tudo o que fossem passagens graves eram embrulhadas e indistintas; nas passagens suaves o ruído de fundo dos altifalantes era igual ao som do piano; o som do Bösendorfer soava, para ser generoso, como um mau piano digital de há 15 anos atrás.
Senti-me enganado, roubado, violado. Paguei para ouvir um músico que admiro pelo requinte e subtileza do discurso musical e em vez disso levei com um massacre de decibéis, fui torturado por dois altifalantes comandados por um técnico de som que era surdo ou não gostava de música.

Mas não foi esta experiência que me fez gritar "basta!", ela foi só a gota d'água. Estou farto de um mundo onde estamos permanentemente rodeados de som desnecessário: não gosto de música no metro, não gosto de música numa esplanada à beira-mar, não gosto de música na praia, não gosto de música numa sala de espera, não gosto de música no supermercado, não gosto de música enquanto espero ser atendido ao telefone, não gosto de música no elevador, não gosto de música a acompanhar uma notícia na televisão.
Mas, ao contrário do que se possa pensar, gosto de música. Muito. E é precisamente por gostar muito de música que a privilegio no seu habitat natural: o Silêncio.

O mundo de hoje tem pavor do silêncio. Não só o nível de ruído do nosso quotidiano é de tal ordem que são raros os momentos de silêncio relativo, como também somos educados a ter receio dele. Habituámo-nos a acordar ao som de música, a ter música de fundo quando estudamos ou executamos tarefas domésticas, à portatibilidade dos walkmans e ipods, a amar ao ritmo de uma canção. A vida já não faz sentido sem banda-sonora, o nosso mundo sonoro é cada vez mais omnipresente e ensurdecedor.
Não gosto deste mundo! Gosto do silêncio, do espaço que proporciona, da reflexão a que obriga, da solidão que traz consigo.

O mundo de hoje está a criar uma geração de surdos. Aos níveis de ruído do nosso quotidiano respondemos com mais volume, o que provoca estragos na nossa audição que por sua vez obrigam a aumentar ainda mais o volume. Hoje é impossível encontrar uma sala de cinema com um volume sonoro que não nos deixe os ouvidos a zumbir, para não falar de espaços como discotecas ou bares. Mais som tornou-se sinónimo de melhor som e tal raciocínio começa a ter as suas consequências, tornando-se já num problema de saúde pública.
Gosto de sons que encantem pela qualidade, não pela intensidade.

Um antigo provérbio latino diz "Cala-te se falar não for melhor que o silêncio". O momento em que se faz música, partindo do princípio que só é música a boa música, é uma das situações em que vale a pena romper o silêncio. Há algo de mágico, de místico, no momento em que música acontece. Mas essa circunstância é demasiado banalizada nos dias de hoje. Somos tão inundados de ruído e música no nosso quotidiano que nos esquecemos que o momento em que música acontece é um momento único e irrepetível. Um tempo houve, antes do advento das gravações sonoras, em que só era possível escutar música fazendo-a ou estando presente no momento em que ela teria lugar. Quantas peças não terão sido executadas apenas uma vez?
Hoje podemos comprar centenas de versões de uma obra e quando vamos a um concerto não pensamos na singularidade e irrepetibilidade desse momento.
Ouvir música transformou-se num acto banal, que acompanha as mais diversas situações da nossa vida. Quantos são aqueles que compram um cd e sentam-se para ouvi-lo em silêncio, sem fazer mais nada?

Urge remover do nosso quotidiano ruídos dispensáveis. Urge recriar momentos e espaços de silêncio. Urge recuperar a sacralidade dos momentos em que música acontece.
Como ouvintes e agentes musicais temos a responsabilidade de erguer santuários onde se possa ainda assistir com dignidade ao milagre da música; temos a obrigação de protestar e recusar situações que possam ferir aquilo que deveria ser um ritual de audição: seja um público ruidoso, uma acústica inadequada, uma má amplificação, um mau instrumento, qualquer coisa. Não fazê-lo é contribuir para o aniquilamento de uma arte, é alimentar um mundo onde fazer concertos é cada vez menos sinónimo de fazer música.

Aut tacere aut loquere meliora silentio.

1 Comments:

Blogger Berta said...

ainda hoje pensei nisto! há música (e será que é mesmo música?) em todo o lado. música que não quero ouvir e nem pedi para ouvir! começa a ser urgente sabermos ouvir, estar e viver no silêncio...

13 November 2008 at 22:41  

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